Há alguns anos atrás, estava discutindo uma política social qualquer com uma amiga muito querida, quando ela exasperada me disse: Ah, Rocco! Mas você só pensa assim por que é petista!
Quando eu estava na faculdade, soube que uma professora de planejamento urbano muito respeitada se referia a mim como “aquele petistinha”. (Essa foi a mesma professora que se recusou a me dar orientação para o meu TFG, na época conhecido como TGI).
Passei por várias situações parecidas ao longo da vida, em que a pessoa descontava ou diminuía o meu pensamento ou meu argumento, dizendo que eu era petista.
O anti-petismo não é um fenômeno recente. Há muitos anos, o petismo é identificado como uma ideologia, e a afiliação a ele usada para justificar atitudes e opiniões, deixando de lado os argumentos.
Não importa a validade dos meus argumentos, tudo o que eu digo se justifica pelo fato de eu ser “petista” e portanto não pode ser levado realmente a sério.
Votei em Lula nas várias vezes em que concorreu à presidência. Lembro-me até hoje de uma moça que se levantou espontaneamente no ônibus e fez um discurso emocionado pedindo voto ao Lula, na vez em que ele concorreu com Collor. Não me lembro do conteúdo exato do discurso, mas lembro-me de que era alguma coisa com esperança na mudança, justiça, igualdade, todas essas ideias que por alguma razão, por mim desconhecida, sempre me tocaram o coração e me animaram.
Não sei porque penso assim. Às vezes penso que as pessoas são meio que programadas para serem mais empáticas ou individualistas. Com certeza fui influenciado pela minha mãe, que luta incansavelmente pelos direitos das mulheres há mais de 30 anos no hospital do Jabaquara, onde eh conhecida como um “anjo de branco”. Certamente muitos dos meus valores vem de observar a sua luta e a empatia que ela tem.
E para mim, um componente muito importante da empatia é a busca pela justiça social. Aquela história do PT, que nasceu bem pertinho de onde eu morava (no Jardim da Saúde, em São Paulo), foi uma história que se entrelaçou com a minha história de vida muitas vezes, e eu apoiei o partido porque acreditava naquelas ideias que a moça discursou num ônibus da Companhia Bristol (ou seria da CMTC?) (se não me engano, era o Vila Moraes).
Não sei até hoje o que é “ser petista” para essas pessoas. Tenho certeza de que não é nada positivo. Um “adepto” do comunismo? Cego de devoção pelo Lula? Não creio que essas pessoas pensassem que eu era mesmo filiado ao partido (nunca fui), mas me chamar de petista explicava quem eu era e como eu pensava.
Enquanto isso, eu me eduquei. Me formei na FAUUSP a muito duras penas, sofrendo demais com as matérias técnicas, mas indo bem nas ciências sociais e em projeto. Tive a grande sorte de ter a Professora Vera Pallamin como minha orientadora de TFG. A minha defesa do TFG contou com a Raquel Rolnik e Cândido Malta e durou quatro horas! O problema não era bem o meu trabalho, mas as opiniões divergentes de Raquel e Cândido. Eu suava como louco e as pessoas me passavam lencinhos de papel. Até hoje tenho a lista de presença das pessoas que estavam ali e fico muito orgulhoso em lembrar que o pai do meu melhor amigo, o professor Barata, estava ali. Como eu me senti acompanhado por essa família maravilhosa!
Depois tive outra sorte de ter a Professora Sueli Schiffer como minha orientadora de mestrado. A Sueli me ensinou muito, e moldou muito a minha visão de mundo, junto com a Vera. Foi a Sueli quem arrumou uma vaga num intercâmbio acadêmico para eu vir passar um ano na TU Delft e desta maneira abriu uma porta que mudou a minha vida para sempre. Alguns anos depois, eu me doutorava por essa universidade, que se tornou a minha nova casa, e onde eu aprendi que o mundo eh muito grande e onde conheci pessoas maravilhosas.
Ainda assim, a minha tribo da FAUUSP ainda é o grupo de amigos com quem tenho mais afinidade. É impressionante como passam os anos e eu vejo como sou ligado àquelas pessoas que estudaram comigo, como se fossemos mesmo da mesma familia. Tenho muito orgulho dos meus amigos, cada um mais inteligente que o outro.
Nessa jornada, eu aprendi muito, estudei e me informei. Não sei se mudaram minhas opiniões políticas, acho que elas apenas ficaram mais claras para mim.
Essa “qualidade”, ou defeito, de ser “petista” é idiota, não há outra expressão. Eu não sou nada! Partido político não é time de futebol. Sou corintiano, mas petista nunca fui. No entanto, eu me identifiquei com aquela promessa de justiça, distribuição, igualdade. Se isso me faz um petista, então que seja! Eu sou muito crítico ao PT no poder, e acho que o partido fez milhões de erros e alguns acertos importantes também. Mas o ponto aqui é que eu apoiaria qualquer candidato que levantasse aquelas bandeiras que me definem como pessoa, sem me importar com o partido.
Descontar minhas ideias e argumentos baseado num rótulo que me reduz como ser pensante e atuante na sociedade (sou professor universitário há mais de 15 anos e antes disso fui professor de línguas por algo em torno de 12 anos) é a maior ofensa que a pessoa pode me fazer.
Gostaria que as pessoas pudessem discutir ideias e visões de futuro para um Brasil melhor, mas está cada vez mais claro que o que está acontecendo no Brasil não é baseado em nenhuma forma de racionalidade. Argumentos racionais já não valem nada: o que vale é o “gut feeling”, aquilo em que “quero acreditar”, porque se adequa a meus valores e a minha visão de mundo.
Mas não há sociedade que sobreviva a este estado de coisas. Estamos caminhando para um desfecho muito violento, em que algo vai se quebrar de maneira irremediável. Para mim agora não é questão de votar no candidato do PT, mas votar naquele candidato que vai impedir o desastre maior. Uma presidência de Bolsonaro será não só a quebra do estado de direito e do sistema democrático no Brasil. Uma presidência do Bolsonaro será um banho de sangue: contra mulheres, negros, homossexuais, trans e todos aqueles que se opõem a visão de mundo do candidato e de seus seguidores mais fanáticos.
Se vc está pensando em votar no Bolsonaro, pense: que valores o estão levando a votar nele? Se daqui a alguns anos você escrever um relato como esse, que valores você vai lembrar que tinha na época em que escolheu Bolsonaro? Quais são as propostas construtivas que Bolsonaro fez até agora, para além do “fora PT”? Será que vc não está reduzindo as pessoas que acreditam em justiça e outras ideias a “petistas” também? E quando começarem a matar os “petistas” como eu, o que você vai fazer?